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A possível formação de uma Selecção A e de uma Selecção B para representar os Açores pode dividir a equipa de Xadrez do CNH

Há décadas que joga Xadrez e diz que não pode viver sem ele. Joga por prazer e por isso pode fazê-lo durante horas sem nunca se cansar. Há 5 anos que está à frente da Secção de Xadrez do Clube Naval da Horta (CNH) e fala com orgulho da equipa que existe e da evolução que esta teve, sendo temida por todas as outras dos Açores. Trata-se de Rui Campos, que coloca a possibilidade da divisão da equipa do CNH, na próxima época, com a formação de uma Selecção A e de uma Selecção B nos Açores. O objectivo é ir buscar os melhores jogadores a cada uma das equipas existentes nas diferentes ilhas para representar a Região.

Imbatível é a forte amizade que une os 4 elementos da equipa faialense, a qual pondera reabrir a Escola de Xadrez para os mais novos no CNH, um desporto que exige estudo, concentração e estratégia, obriga a uma raciocínio rápido e lógico e evita o aparecimento de Alzheimer. Rui Campos defende a implementação do Xadrez nos currículos escolares como sendo uma mais-valia para todas as outras disciplinas e aponta o exemplo da Rússia, onde há grandes jogadores.


Rui Campos evidencia o facto de a equipa de Xadrez do CNH nunca ter perdido por 4-0

Gabinete de Imprensa do Clube Naval da Horta: Foi uma boa época?
Rui Campos: Sim! Tivemos a jogar na 3ª Divisão, fomos ao Continente por duas vezes, consegui o 11º lugar no Campeonato Nacional em Famalicão, que decorreu em Julho, e o mais interessante é que, desde que a equipa de Xadrez do Clube Naval da Horta participa em provas nacionais, o que já acontece desde há 3 anos, nunca perdeu por 4-0. Até já jogámos contra a equipa do Sporting Clube de Portugal, e mesmo nesse caso ganhámos meio ponto. É uma questão de mérito nunca termos sofrido uma derrota por 4-0, mesmo sem a experiência que agora temos.

G. I.: Quando é que foi formada esta equipa?
Rui Campos: Formámos este Núcleo há 5 anos e tenho sido sempre o líder. Nós os 4 temos um gosto em comum pelo Xadrez, mas em qualquer desporto há sempre alguém que tem de dar mais do seu tempo. Mas posso dizer que todo o trabalho tem sido suportado pela equipa, composta por mim, pelo Doménico Bettani, pelo Pedro Terra e o António Sousa. Qualquer coisa que seja necessária, a equipa entra toda e trabalha. Posso estar à frente desta Secção, mas é um trabalho de conjunto.


Equipa de Xadrez do Clube Naval da Horta Da esquerda para a direita: Domenico Bettani, Rui Campos, António Sousa e Pedro Terra

Fotografia cedida por: Rui Campos

G. I.: É sempre a mesma equipa desde o início?
Rui Campos: Sempre! Nunca houve faltas nem falhas, conseguimos participar sempre nos Torneios e nos Campeonatos com a mesma equipa, sem nunca recorrer a armas secretas, porque há equipas que vão buscar jogadores bons quando há falhas.

G. I.: O Xadrez surge quando?
Rui Campos: Em termos de competição, há mais de 25 anos. Participei nos Campeonatos que o INATEL organizava no Faial, quando tinha os meus 16/17 anos e já tenho 42. Mas antes já jogava.
Lembro-me de que nessa altura São Miguel não tinha praticamente actividade nenhuma em termos de Xadrez, mas na Terceira havia jogadores muito bons. No Faial havia alguns amantes da modalidade, sem nenhum jogador de topo. Desde que me conheço como jogador, o melhor que tínhamos cá neste desporto era o José Guerra, que agora joga em São Miguel na equipa do Operário.
Cheguei a ser campeão pelo Faial durante 4 ou 5 anos. Muita gente saiu da ilha para prosseguir estudos, incluindo eu, e o INATEL ainda manteve essa actividade durante mais 1 ou 2 anos. Depois, o Faial esteve cerca de 9 anos sem competição nesta modalidade.

G. I.: Mas a prática do Xadrez não acabou?
Rui Campos: Eu ia treinando no Porto, mas nada de muito sério. Frequentava um clube e ia fazendo jogos quando tinha tempo. E também jogava rápidas na internet. Se uma pessoa não pratica, tem uma regressão enorme.

G. I.: Há um tempo diário estipulado para treinar?
Rui Campos: Eu não tenho tempo específico. Quando posso, vou à internet ou juntamo-nos no Clube Naval da Horta. Durante muito tempo, joguei por intuição. Tentava ser o mais criativo possível e por intuição. Nem era por estudar ou ler. Mas isso implicava um esforço muito maior porque tinha de alcançar o que os outros tinham conseguido por terem lido e estudado. E eu dizia: “Ok, deixa-me tentar perceber o jogo, o que existe aqui”.

G. I.: Este é um desporto muito absorvente…
Rui Campos: Muito mesmo! O nosso tempo e disponibilidade têm de ser imensos. Caso contrário, não tínhamos hipóteses de competir com as outras equipas. Para se chegar a um nível elevado, há que praticar muito. Senão, é impensável.

G. I.: O que é que é preciso para jogar Xadrez?
Rui Campos: Acima de tudo, é preciso atenção, estratégia e criatividade. Há vários pontos importantes.

G. I.: Há quem diga que é preciso ser inteligente para jogar Xadrez.
Rui Campos: Não sei se isso faz de mim uma pessoa inteligente. Se calhar é preciso ser inteligente para fazer uma conjugação de todos estes factores indispensáveis para jogar. Se eu for só teórico, ler muito e encontrar um jogador que seja menos teórico do que eu, mas que seja criativo, pode criar-me dificuldades imensas. Há vários pontos importantes.

G. I.: Como é que se aprende a jogar Xadrez?
Rui Campos: Primeiro é preciso aprender as regras de forma devida. E como qualquer jogo é fundamental faze-lo da forma correta, ou seja, quando aprendemos por nós, sem um treinador à altura, acabamos por não aprender da melhor maneira. E é importante aprender as bases de forma correcta que é para a pessoa perceber a ideia de jogo e poder utilizar a sua cabeça para pensar e criar a sua estratégia. Além da componente teórica que cada jogador deve ter, é fundamental saber usá-la. Uma pessoa pode ler muito, mas depois tem de saber o que fazer com a leitura. A nível prático, basta que uma peça tenha sido jogada para uma determinada casa e não para outra, o que já provocou uma mudança, que pode levar a pessoa a pensar: “E agora, o que é que eu faço?” Por isso, defendo que se trata de uma conjugação de factores mas, acima de tudo, de atenção.


“O Xadrez é um jogo que implica estudo, treino e concentração. É muito exigente”

G. I.: É um jogo aconselhado para os mais novos?
Rui Campos: É excelente, porque se o miúdo gosta, mesmo sem se dar conta é obrigado a estar atento. Ele próprio sabe que é necessário estar concentradíssimo. Só assim é possível perceber o que é que o nosso adversário tem em mente. Se assim não for, não se consegue.

G. I.: É possível fazer batota?
Rui Campos: É dos poucos jogos onde não há batota. Nem sequer se põe a questão da sorte ou do azar. Aqui há que jogar bem. A sorte que eu posso ter é se houver algum erro de algum jogador que me dê uma peça de graça, mas é preciso que eu faça uso dela e não aconteça o caso de eu também lhe dar uma peça e voltar à igualdade de material.

G. I.: Já houve aulas de Xadrez no Clube para os mais pequenos?
Rui Campos: Sim, nestes 5 anos de existência da Secção durante 3 anos tivemos a Escola de Xadrez a funcionar. Tínhamos 8 miúdos entre os 8 e os 11/12 anos.

G. I.: Acabou porquê?
Rui Campos: Os miúdos têm muitas actividades e modalidades. Eles também gostam de Xadrez, o problema é que precisam de muita concentração. Dávamos aulas aos sábados, cerca de 2,5 horas. Chegámos à conclusão de que era muito tempo. Sou defensor de 1 hora e 15 minutos. A partir daí, perdem a concentração.

G. I.: Equacionam um regresso?
Rui Campos: Estamos a ponderar voltar a dar Aulas de Xadrez, até porque alguns pais já manifestaram vontade em que os filhos aprendessem. É muito importante começar esta modalidade bastante cedo. Temos alguns miúdos na casa dos 10/11 anos que têm umas noções bastante boas do Xadrez, fruto dessas aulas. Estou a lembrar-me do Gustavo, João Castro e do primo, o Afonso Castro, que registaram uma grande evolução.

G. I.: Seria também uma forma de a modalidade continuar.
Rui Campos: No Faial, temos jogadores razoáveis, que não podem participar nas provas em que a equipa joga, porque não têm nível para isso. Sei que têm essa vontade, mas é necessário evoluir mais.

G. I.: Não se fala em senhoras. Não há jogadoras no Faial?
Rui Campos: No Faial, não. Em São Miguel há algumas, jovens, que já têm um nível bastante elevado, mas no nosso país temos jogadoras excelentes.

G. I.: Como está a modalidade a nível regional?
Rui Campos: Poderá haver alterações na próxima época, tida como uma época de experiência. A mudança ainda está em estudo, mas o que se pretende é formar uma Selecção A e uma Selecção B a nível Açores.
Até a este momento existem 3 Divisões, havendo 3 equipas na 3ª Divisão, onde a equipa do Faial se encontra. Mas a Federação (a nível regional) só suporta 2, devido aos cortes registados (cerca de 40%). E como houve uma equipa que desceu da 2ª Divisão e outra que ficou à nossa frente, possivelmente este ano a equipa do Faial fica de fora. Apesar de todo o mérito e trabalho que temos tido, é possível que este cenário venha a ser uma realidade.
Pretendem criar 2 equipas fortes nos Açores, porque neste momento todas as equipas açorianas, à excepção da equipa da Universidade, têm 1 ou 2 elementos menos bons, estando todas um “bocadinho mancas”. Assim sendo, a intenção é formar uma Selecção A e uma B para os Açores terem uma Selecção A forte na 2ª Divisão e uma Selecção B forte na 3ª Divisão.


Lamento muito a possibilidade da divisão da nossa equipa, porque a (enorme) evolução registada é uma vitória nossa e só nossa!”

G. I.: É possível avançar para esse novo figurino?
Rui Campos: Sim, existe mesmo essa possibilidade, temos jogadores de sobra para 2 selecções fortes. Agora já não estamos a pensar por ilhas, mas no todo da Região. Isto significa que há jogadores do Faial que vão integrar a Selecção A e outros a Selecção B. E são estas 2 Selecções que passariam a representar a Região.

G.I.: Avizinham-se divisões na equipa do Clube Naval da Horta.
Rui Campos: A nossa equipa vai sair lesada, porque o nosso percurso, aquilo que temos conseguido só por nós, é incrível. Começámos do nada. Nunca nos passou pela cabeça atingir o que atingimos. Isto só é uma realidade graças a muito treino, estudo e disciplina. Neste momento, somos vistos pelas equipas dos Açores como sendo uma equipa ao nível das restantes, o que era impensável há alguns anos. Neste momento qualquer equipa dos Açores teme a equipa de Xadrez do Clube Naval da Horta, o que é óptimo. Foi uma vitória nossa, só nossa, e é por isso que nos custa tanto agora desfazer a equipa, que chegou a este nível com imenso esforço.

G. I.: Falou-se em redução de verbas. Continua a haver vários momentos de Competição?
Rui Campos: Sim, temos a Taça, o Nacional e outras. Em São Miguel realizam-se várias provas, ao contrário do que se verifica no Faial. No entanto, há que elogiar a Associação de Xadrez dos Açores, que sempre se esforçou para que a equipa do Faial participasse no maior número possível de provas. A nossa evolução foi sendo observada com atenção e como houve crescimento em termos de trabalho, também houve no que ao apoio diz respeito.

G. I.: As restantes ilhas estão activas no Xadrez?
Rui Campos: São Jorge e a Graciosa têm alguns jogadores. No Pico, não há Xadrez. Na Terceira já houve imensos jogadores bons, mas agora não há Núcleo, o que poderá estar relacionado com o falecimento do Sr. Mota, ocorrido há 5 anos. Ele é que era a “alma” do Xadrez na Terceira. Fiz algumas viagens com este senhor e ele era uma personagem que adorava o jogo e gostava de estar com as pessoas. Lamento que assim seja.
Certamente que há bons jogadores espalhados pelas ilhas. Estamos sempre a tentar que apareça algum novo jogador com potencial, a quem daremos o nosso apoio, desde que haja vontade própria.

G. I.: O que é o Xadrez?
Rui Campos: Faz parte mim. Não vivo sem o Xadrez. Gosto muito de apneia e de caça submarina, que é o que aprecio mais, mas são campos diferentes. Para mim, o Xadrez é lazer. A minha perspectiva sobre o jogo é de gozo, de prazer, por isso posso estar horas e horas a jogar sem me cansar.
Quando jogo é para ganhar, mas acima de tudo é pelo prazer e quando se joga pelo prazer, é meio caminho andado para ganhar.
Perder faz parte de qualquer jogo. Podemos estar perante um jogador muito bom, mas há sempre alguém melhor e até se pode perder com alguém que jogue pior, mas que naquele dia jogou melhor. Não se trata de sorte. Trata-se de jogar bem.


“Uma particularidade da nossa equipa, mesmo quando jogamos uns contra os outros, é a inter-ajuda, o que não se verifica nas outras”

G. I.: Os jogadores da equipa do Clube Naval da Horta estão todos ao mesmo nível?
Rui Campos: Não, todos temos evoluído muito, e aqui destaco o crescimento do Bettani, mas todos já estávamos em patamares diferentes, portanto mesmo que todos tenham evoluído, como foi o caso, há sempre uns em níveis superiores. Tirando o Bettani, os restantes 3 estão mais ou menos ao mesmo nível. Posso ter alguma vantagem por ser melhor jogador nas finais.
O jogo tem 3 partes: a abertura, o meio de jogo e o final de jogo. Quando no fim do jogo já temos poucas peças, temos de jogá-las muito bem, porque o mínimo deslize pode ser sinónimo de derrota. E neste momento a vantagem que acho que tenho em relação à minha equipa, é que eu consigo jogar melhor os finais de jogo, mesmo que eles possam abrir o jogo ligeiramente melhor do que eu. O Pedro Terra tem um meio jogo fortíssimo, mas depois a minha vantagem é na recta final, em que, por vezes, consigo um sprint melhor do que ele.

G. I.: Ganha-se um jogo de Xadrez é no fim?
Rui Campos: Quando temos um jogador ao nosso nível, sim, é no fim que se ganha. Mas se tivermos a falar de um adversário de nível médio, é muito provável que eu ganhe no início. Se eu criar um jogo forte, também posso ganhar no início. Mas com jogadores de bom nível, só se ganha no fim. E é nesse final de jogo que se vê quem joga melhor.

G. I.: Além de jogadores, os elementos da equipa do Faial são amigos.
Rui Campos: Somos bons amigos! E uma particularidade da nossa equipa, que não se vê nas outras, é que, mesmo quando há provas ou campeonatos em que jogamos uns contra os outros, partilhamos sempre o que sabemos e aprendemos, mesmo que eu possa jogar contra eles. No nosso grupo houve sempre uma inter-ajuda em todas as situações. Não consideramos isso uma desvantagem, porque aprende-se sempre.

G. I.: A separação vai custar…
Rui Campos: Se vier a ocorrer, sim… Muito! Temos personalidades muito diferentes, mas desde que funcionamos como equipa, somos um grupo fortíssimo. É incrível! Por isso é que temos pena de nos separarmos como equipa, a qual está excelente. Temos feito coisas inimagináveis. É preciso querer!

G. I.: Com o Xadrez não há cérebro preguiçoso.
Rui Campos: É um jogo muito bom para quando formos mais velhos, porque exercita a mente. Quando estava no Porto a estudar, havia 2 senhores, com cerca de 80 anos de idade, que frequentavam o mesmo clube que eu e reparava que eles ainda tinham uma atenção e concentração de jogo imensas! É um desporto muito bom para evitar problemas de Alzheimer, porque obriga a pensar.

G. I.: É um jogo revelador?
Rui Campos: Quando se joga com uma pessoa, é a tua personalidade contra a dela. São 2 personalidades que jogam e não 2 pessoas e o facto de colocares a tua personalidade acima do outro jogador, dá um gozo enorme. Mesmo que seja a jogar a peanuts, ninguém gosta de perder, quer se tenha 5 ou 100 anos. Se a forma de vida da pessoa for calma e serena, isso vai reflectir-se no jogo. Se se tratar de uma pessoa muito defensiva, vai fazer um jogo defensivo, mas se for uma pessoa de confronto, vai fazer um jogo muito mais activo, ao ataque, sempre a pressionar. Há imensos estilos de jogo. E isto obriga a raciocínio.

G. I.: O Xadrez pode ajudar os alunos nas Escolas?
Rui Campos: Sempre fui defensor de que este jogo devia figurar numa disciplina dos currículos escolares, pois seria uma mais-valia para todas as outras disciplinas. Ao nível do raciocínio, o Xadrez é impressionante, porque obriga a pessoa a um raciocínio rápido, lógico, criativo, estratégico e teórico. Implica estudo. Não se trata de mais um jogo. Mexe com imensas coisas.
Na Rússia já existe esta disciplina nos programas escolares há muitos anos. É por isso que existem lá imensos craques em Xadrez. Há tantas disciplinas com muito menos interesse do que este jogo e são uma realidade ano após ano…

G. I.: Neste momento, além do jogador o designer também está a falar…
Rui Campos: É verdade que a minha área profissional é virada para a criatividade, mas está provado que o Xadrez desenvolve imensas componentes. O jogo também é arte. A criatividade também é criada pelo próprio jogo e isso passa para outros ramos da vida da pessoa.


“A criatividade também é criada pelo próprio jogo e isso passa para outros ramos da vida da pessoa”

Fotografias de: Cristina Silveira