cal   fb    tw    instagram   telegram   whatsapp   yt   issuu   meo   rss

 

CNH - Rui Dowling, Campeão Nacional de Vela Adaptada em 2016: “A Vela funciona como uma fisioterapia física e mental”

rui dowling 4 2017
Rui Dowling aprendeu a lidar com a sua doença e demonstra-se muito informado sobre este problema genético

O gosto pela Vela fez Rui Dowling embarcar no Projeto “Vela Para Todos - Faial Sem Limites”, uma iniciativa conjunta da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes da Ilha do Faial (APADIF) e do Clube Naval da Horta (CNH), que arrancou no fim de 2011, visando “a inclusão de todos na prática da Vela, destruindo barreiras e preconceitos que ainda possam existir, dando o seu contributo para a construção de uma sociedade mais justa e aberta à diferença”.

O convite a Rui Dowling partiu do Treinador da Escola de Vela do Clube Naval da Horta, João Duarte, cuja experiência e garantias cativaram este velejador especial, assim como os restantes da Classe Access (Vela Adaptada para pessoas com mobilidade reduzida). Após um primeiro treino, que primou pela ausência de vento, Rui estava convertido à prática e daí até às provas e aos títulos tem sido sempre a somar.

O maior vício deste jovem é o cinema de documentário, tendo começado em 2004 – altura em que comprou a sua primeira câmara – a fazer cinema amador. “Onde está toda a gente”, “Mãos que endireitam”, “Filomena”, “Memórias baleeiras - Calheta de Nesquim, “O Oleiro” e “Fayal: Retrato de um Passado”(este último vai ser apresentado brevemente no Auditório da Biblioteca Pública da Horta), são trabalhos feitos até hoje.

Desde que conheceu o ioga e a meditação que este faialense passou a encarar a vida de maneira diferente, percebendo que pode divertir-se sem recorrer aos copos ou ao seu conteúdo.
Rui evita passar por lugares onde more a depressão e, embora seja um ombro amigo, prefere não saber confidências difíceis.

O carro dá-lhe independência e isso é importante, mas tornou-se poupadinho, também a pensar nas viagens, já que prefere correr mundo a investir num bem material. E a respeito de investimentos, é igualmente cauteloso no que diz respeito às mulheres. Apesar de já ter tido os seus namoros, neste momento encontra-se num regime livre ou melhor, liberal, pois defende que é preferível uma boa amizade a uma relação que só dê dores de cabeça.  

Na agradável conversa mantida e no subsequente passeio pela Marina da Horta, deu para perceber que o Rui é uma excelente companhia, que sabe ouvir e apreender. É simpático, educado e autónomo, mas avisa, sem inibições, que se precisar de ajuda, pede.

O mar permite-lhe “desligar a ficha”, apreciar a cidade de outra perspetiva e inspirar-se para os seus documentários.

“Tive brincadeiras arrojadas, como jogar futebol com os meus amigos de rua”

Gabinete de Imprensa do CNH: A Vela já fazia parte da tua vida?
Rui Dowling: Já tinha andado no mar, mas nunca como velejador. Tinha reticências em velejar devido à minha doença, que se chama osteogénese imperfeita e cujo problema mais gravante é a fragilidade dos ossos. Apesar de ter outras implicações, esta é a que me condiciona mais a vida. A doença tem vários graus, sendo que estou no médio, o que já é sinónimo de alguma gravidade.
Já nasci assim e trata-se de uma questão genética, mas a verdade é que a minha irmã é saudável e não tenho conhecimento de casos na família.  

Gabinete de Imprensa do CNH: Estás particularmente sujeito a fraturas?
Rui Dowling: Sim, e já tive algumas de certa gravidade. Como tal, preciso de ter cuidado e tenho um pouco de dor crónica. Tudo isto me levou a ponderar muito bem antes de começar a praticar desporto a sério, pois era algo novo na minha vida e que poderia ser arriscado.

Gabinete de Imprensa do CNH: Quando eras criança não brincavas com os teus amigos?
Rui Dowling: Claro, e fiz algumas maluqueiras! Praticava desporto com os meus amigos de rua e até fiz brincadeiras mais arrojadas – como jogar futebol – que provocaram certas quedas com gravidade, tendo ido parar ao hospital.

Gabinete de Imprensa do CNH: Atualmente andas de cadeira de rodas. Foi sempre assim?
Rui Dowling: Nasci em 1981 e andei até 1991. A partir daí comecei a usar canadianas e após 1998 passei para a cadeira de rodas. Quando andava de canadianas, cheguei a jogar futebol e a fazer maluqueiras.

Gabinete de Imprensa do CNH: Tudo isto exigiu muito trabalho e dedicação dos teus pais?
Rui Dowling: Os meus pais tiveram uma vida penosa comigo. Esta situação não afeta só o doente, mas todos os que estão à volta.

rui dowling 2 2017
“Quando estou no mar, esqueço tudo!”

Gabinete de Imprensa do CNH: Agora já não há segredos neste desporto?
Rui Dowling: Já sei gerir as condições e quando está demasiado vento não arrisco, além de que o João dá plena liberdade para desistir.

Gabinete de Imprensa do CNH: O Treinador é uma peça fundamental neste xadrez?
Rui Dowling: Sem dúvida! O João Duarte é um grande Treinador e uma excelente pessoa, com muita sensibilidade. Claro que é exigente enquanto treinador e, por vezes, stressa-se connosco, mas para termos resultados é preciso exigência. E a partir de agora vai ser a doer com os treinos, pois vamos participar no Campeonato Nacional que se realiza em Cascais, de 30 de Junho a 2 de Julho próximos.

Gabinete de Imprensa do CNH: Como é que encaras a competição?
Rui Dowling: Tão a sério que me leva a esquecer a minha situação. E por isso já sofri pequenas lesões, mas nada de especial.

rui dowling 1 2017
“A adrenalina faz com que, por vezes, eu arrisque um pouco, mas sabe bem!”

Gabinete de Imprensa do CNH: Ser Campeão Nacional, em 2016, em Viana do Castelo, teve um sabor especial?
Rui Dowling: Especialíssimo! Foi o ponto mais alto no meu percurso de velejador de competição. Foi óptimo, porque não estava à espera. Éramos 12 ou 13 participantes e como estava um bocadinho de vento, fiquei receoso, mas correu bem. Estamos a falar de rio, que nunca cria grande ondulação. Já no mar, a ondulação torna-se complicada. Não ia com muitas expectativas devido ao vento e à minha situação. A partir dos 12/13 nós ja começa a ser complicado para mim, e então quando vai aos 15... porque quer se queira quer não, a verdade é que o vento abana um bocadinho e como eu sou extremamente leve, pode haver uma refrega mais perigosa para mim. Por isso, prefiro o rio, por não haver ondulação, embora com a corrente também se torne complicado, mas o facto é que me correu bem.

Gabinete de Imprensa do CNH: Mas já houve outras vitórias?
Rui Dowling: No ano de 2015, em Portimão, consegui um 3º lugar, e em 2014, no Faial, ano em que o Clube Naval da Horta organizou o Campeonato Nacional, fiquei em 4º lugar. Por pouco não consegui ficar em 3º, mas as vitórias são conquistadas ao milímetro.

Gabinete de Imprensa do CNH: A Vela faz despertar o teu lado mais aventureiro?
Rui Dowling: Pois... Sempre fui um pouco aventureiro desde pequeno e às vezes quando estou lá fora e está mais mexido penso: o que é que eu estou a fazer aqui? Mas acho que no desporto como em tudo na vida, é importante sentir a adrenalina e é aquele receio – em demasia não – que dá pica ao que fazemos.

rui dowling 5 2017
“Toda a gente sabe velejar, mas os pormenores é que contam”

Gabinete de Imprensa do CNH: Há muitas pessoas nas tuas condições que pratiquem Vela?
Rui Dowling: Não. Estamos a falar de uma doença rara, e nos Açores apenas há mais 3 ou 4 pessoas na mesma situação. E é pelo facto de eu ser portador desta doença, que foi tão especial o título de Campeão Nacional.
No Continente português não há qualquer velejador com esta doença, e mesmo a nível mundial, sou um caso muito raro de alguém que faz Vela Adaptada e tem osteogénese imperfeita.
É preciso ver que na Secundária praticamente nunca fiz Educação Física. Andei a ver os outros. O professor João Castro tinha os Bilros e o Xadrez, com que me entretinha.

Gabinete de Imprensa do CNH: No Clube Naval da Horta os velejadores da Classe Access são adversários mas, acima de tudo, amigos...
Rui Dowling: A competição é saudável. Somos amigos e a competição está num nível muito bom. Fui Campeão Nacional no ano passado, mas tanto o Lício como o Libério também poderiam ter sido. O nosso nível aqui é todo por igual.
Uma das razões que contribuiu para que o Campeonato realizado no Faial tenha corrido bem, foi precisamente o facto de estarmos os 3 num nível muito alto, fazendo com que a vitória estivesse ao alcance de qualquer um. Embora tenhamos uma visão de conjunto – sobretudo em provas fora de casa – a verdade é que cada um está a fazer por si e a dar o seu melhor.

Gabinete de Imprensa do CNH: Uma vez que o Clube Naval da Horta é o único nos Açores que dispõe de Vela Adaptada, se não fosse os campeonatos nacionais não havia competição?
Rui Dowling: É a nossa realidade tendo em conta que o Clube Naval da Horta foi e continua a ser o único nos Açores capaz desta dinâmica, revelando o seu pioneirismo na Vela Adaptada e noutras situações. Infelizmente não temos concorrência no Arquipélago, mas sem dúvida que os campeonatos realizados no Continente nos permitem evoluir muito.

Gabinete de Imprensa do CNH: A Semana do Mar também constitui uma competição interessante?
Rui Dowling: Para ser sincero, a Semana do Mar nunca me corre bem, sobretudo devido às condições climatéricas. Em Agosto, talvez devido às lavadias, o mar já está esquisito, por isso acho que se o Festival Náutico fosse em Julho, seria melhor.

“A Vela mudou a minha vida”

Gabinete de Imprensa do CNH: É difícil aprender a velejar?
Rui Dowling: Andar à vela exige um bocadinho de sensibilidade. A pessoa que tem capacidade para perceber, na altura certa, de que lado está o vento e os saltos de vento, ganha vantagem. Toda a gente sabe velejar, mas os pormenores é que contam em qualquer desporto de competição.

Gabinete de Imprensa do CNH: Que mudanças trouxe a Vela?
Rui Dowling: A Vela mudou a minha vida. Melhorou a parte física e a auto-estima, pois diz-me que sou capaz de fazer algo com qualidade. Este desporto também me permitiu fazer amigos, desenvolver a camaradagem e realizar viagens. A Vela funciona como uma espécie de fisioterapia, sobretudo mental.
Quando estou no mar, esqueço tudo! A Vela tem essa vantagem. Tento aproveitar a paisagem e olhar para o Faial como nunca olhei. O último documentário que fiz (“Fayal: Retrato do Passado”, que vai ser apresentado brevemente), foi inspirado na forma como olhei, a partir do mar, para as igrejas Matriz, do Carmo e de São Francisco. São construções que sobressaem no casario da cidade e isso fez logo um click na minha mente.

“O CNH teve um papel muito importante na integração da pessoa com deficiência”

Gabinete de Imprensa do CNH: Qual a importância do CNH?
Rui Dowling: Tenho um carinho muito especial pelo Clube Naval da Horta, porque me deu a possibilidade de fazer Vela a sério e sempre com muita segurança. É preciso enaltecer esta questão e é algo que eu nunca esqueço.
O CNH tem uma função muito mais importante do que aquilo que possa imaginar. Apostou na Vela para pessoas com deficiência no Faial e teve um papel importantíssimo na sua integração no mundo do desporto. Todos devemos estar gratos por isso e é um local onde me sinto muitíssimo bem, rodeado de amigos.  
É de máxima justeza sublinhar o papel do Técnico Nilzo Fialho (APADIF), uma pessoa fundamental neste Projecto e nas nossas deslocações, além dos Dirigentes e Voluntários do Clube. Este reconhecimento é extensivo àquelas entidades ou associações como a Academia do Bacalhau, que foram os primeiros a apoiar a Vela Adaptada, oferecendo um barco, oferta que já tive oportunidade de agradecer publicamente, no decorrer de um jantar.
Sinto-me completamente acarinhado por esta instituição, que defino como impecável. Sabemos que há dificuldades, mas nota-se que toda a gente faz o seu melhor. Se há problemas em todas as casas (até nas nossas!), esta não é excepção, mas o CNH envolve uma família muito grande, sendo necessário muita experiência e dedicação.

rui dowling 6 2017
“O CNH deu-me a possibilidade de fazer Vela a sério e sempre com muita segurança”

“A capacidade organizativa do CNH é reconhecida a nível nacional”

Gabinete de Imprensa do CNH: Como é que os clubes nacionais olham para nós?
Rui Dowling: Tenho me apercebido de que eles já nos conhecem. A organização do Campeonato Nacional de 2014, da responsabilidade do CNH, foi excelente. O pessoal do Continente adorou e ainda hoje fala nisso. Foi uma organização muito trabalhosa, mas o mérito foi reconhecido fora de portas. E, a propósito, devo usar de honestidade e confessar que lá fora ainda nunca encontrei uma organização como a do CNH, em 2014. O Clube de Viana do Castelo tem melhores infraestruturas do que o nosso – o que nesta altura também não é muito difícil – mas em termos de know-how e treinadores, estamos à frente.

Gabinete de Imprensa do CNH: Como é que a tua família e amigos olham para o Rui velejador?
Rui Dowling: Fazem perguntas, demonstram interesse em saber mais sobre este desporto, manifestam apoio e orgulho. Recordo que um tio meu do Pico me telefonou quando fui Campeão Nacional, e muitas pessoas me deram os parabéns.  
A minha família apoiou-me sempre, mas chamando a atenção para os cuidados a ter.
Apesar de andarmos todos na Vela, o meu problema é muito diferente do do Lício e do do Libério, que são pessoas saudáveis, mas que sofreram uma lesão durante a vida.  Dentro do possível, também sou saudável, mas tenho um problema completamente diferente do deles. Tenho outros cuidados com que eles não precisam de se preocupar, como por exemplo, evitar o vento forte lá fora ou os impactos que o barco possa ter. Além disso, quando chove, as lentes de contacto incomodam-me.
Por outro lado, e em relação a eles, talvez eu ganhe um pouco no que concerne à mobilidade, pois mexo os pés e dou umas passadas agarrado.

rui dowling 3 2017
“O CNH foi pioneiro na integração da pessoa com deficiência no mundo do desporto não só no Faial como nos Açores”

“A força dos meus pais tornou-me mais forte”

Gabinete de Imprensa do CNH: Percebe-se que tu lidas bem com a tua doença e que és uma pessoa serena. Foi sempre assim?
Rui Dowling: Os anos de teenager são complicados e dificeis de aceitar, mas depois de ultrapassar essa fase vem a maturidade e não se imagina o que pode trazer até passarmos por ela. A experiência de vida vale mais do que muitos canudos. Nunca vou ter tudo o que os outros têm, mas talvez eles também não tenham muitas das coisas que eu consegui.
Fiz o Liceu como qualquer outro aluno e tive uma juventude – dentro deste quadro – bastante boa. Muita gente com a minha doença sai pouco ou está acamada, e alguns até são portadores de osteogénese imperfeita num grau superior. Portanto, neste cenário, posso dizer que sou um privilegiado.
Naturalmente que jamais posso esquecer aquilo que os meus pais fizeram por mim e o que passaram!... A idade ajuda-nos a ter consciência disso e a reconhecer que foram fundamentais para eu ter chegado até aqui. Acredito que a união da família tem reflexo na nossa vida. É um bom suporte. O segredo está em  sabermos manter essa união.

Gabinete de Imprensa do CNH: Quem são as pessoas mais importantes para ti?
Rui Dowling: Os meus pais e a minha irmã. Quando fui Campeão Nacional pensei logo neles. Os meus pais tiveram uma vida complicada, mas foram fortes, deram-me força e a força deles tornou-me mais forte.

BILHETE DE IDENTIDADE:

rui dowling 8 2017
“Gosto do que faço em termos profissionais e nunca me senti discriminado”

1. Data de nascimento:
- 17 de Agosto de 1981.
2. Signo:
- Virgem, mas não ligo a horóscopos, a jogos de azar ou bruxarias. Acredito muito nas probabilidades da vida.
3.Profissão:
- Assistente Operacional no Hospital da Horta. Gosto do que faço e sou tratado com igualdade. Nunca me senti discriminado.
4.Escolaridade:
- 12º ano de escolaridade. Poderia ter ido mais além, o que está sempre a tempo.
5.Paixões:
- Cinema de documentário é a minha grande paixão, mais ainda do que a Vela (se o João Duarte ler isto, vai ficar mesmo contente!). Considero-me um autodidacta. Posso dizer que são amores diferentes...
6.Gostos:
- Gosto muito de fotografias antigas. Também gosto de ler e de viajar, conhecer novas culturas. Já estive em Roma, Barcelona, e nos EUA com o nosso amgo Aguinaldo Luís, que durante uns tempos fez Vela connosco.
Não viajo tanto como gostaria, mas estou a poupar para isso.
7.Defeitos:
- Sou distraído e esquecido.  
8.Personalidade:
- Sou pouco reivindicativo e, nesse aspecto, admiro a postura do Lício, que não fica calado. Por vezes sou injustiçado e não falo. Arranjo mecanismos de defesa e tento ultrapassar as situações menos favoráveis.
Se quero muito algo, luto por isso, mas não sou explosivo.
8.Qualidades:
- Respeito muito a lealdade. Sei guardar um segredo e isso é importante.
Acredito que toda a gente é boa até me provar o contrário. É claro que alguns nos decepcionam, mas por vezes nós também decepcionamos os outros.
9.Filme preferido:
- Gosto de filmes do Alfredo Hitchcock. Documentários já vi muitos.
Assim de repente, vou dizer “Eduardo Mãos de Tesoura”.
10.Livro lembrado:
- Nunca li muitos livros, mas um que me marcou na altura, foi “A Volta ao Mundo em 80 dias”. Não é profundo, mas fala de uma temática que me diz muito, que são as viagens.
11.Prato preferido:
- Gosto de polvo bem feito pela minha mãe, à moda da Calheta do Nesquim. A comida da mãe é sempre a melhor!

rui dowling 7 2017
“A Vela e o cinema de documemtário são as minhas paixões”

Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.