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“A Figura do Mês” - Genuíno Madruga: “Ser Presidente do CNH implica disponibilidade total, vasto conhecimento e grande responsabilidade”

“Fico muitíssimo agradado quando vejo todo aquele movimento de crianças e jovens em actividades náuticas no CNH”

Genuíno Alexandre Goulart Madruga, pescador, empresário e navegador, foi o primeiro português que, navegando em solitário à Volta do Mundo, cruzou o Cabo de Horn, a 24 de Janeiro de 2008 navegando do Atlântico para o Pacífico. Passou também a ser o 10º velejador a conseguir tal efeito na história mundial da navegação à vela em solitário.

Entre muitos outros cargos, este picoense nascido em São João do Pico, mas residente no Faial desde criança, foi Presidente da Direcção do Clube Naval da Horta (CNH) – mandato de 2003/2005 – numa altura em que “a situação não era muito famosa”. “Conversei com alguns amigos e avancei com uma lista, mas devo confessar que não foi fácil reunir a minha equipa, pois o Clube vivia uma situação difícil a vários níveis”, recorda o antigo Dirigente, que explica: “Existia uma quase paralisia. O alheamento dos

Sócios era bem visível e havia algumas Secções encerradas, contrariamente ao que se vive hoje. Actualmente as pessoas participam, envolvem-se muito mais e o número de actividadades é enorme”.

“Mar é sinónimo de riqueza e de fixação de jovens”

Este pescador de profissão lamenta “a resistência” que encontrou na aproximação das escolas ao mar e quando lhe perguntamos o que ficou por fazer, refere que não conseguiu alcançar o  desiderato ambicionado: “levar o mar para a Escola e trazer a Escola para o mar”. Contudo, congratula-se por essa ser hoje “uma realidade incontornável”, destacando a  projecção que a Natação e a Vela registaram. “É este o caminho a seguir e fico muitíssimo agradado quando vejo todo aquele movimento de crianças e jovens em actividades náuticas no CNH.

Nas Ilhas Marquesas, na Polinésia – que são ilhas como as nossas – à sexta-feira vai tudo para o mar fazer Vela mas, sobretudo, Canoagem. Os nossos alunos deviam aprender mais temáticas relacionadas com o meio local. É crucial que haja formação e que os decisores, professores, pais e alunos estejam despertos para o mar. Esta deve ser uma via geradora de riqueza, criação de emprego e, consequentemente, de fixação de jovens. As actividades marítimo-turísticas, os transportes e até mesmo a pesca são sinónimos de trabalho. Ao contrário do que muitos julgam, a pesca de hoje exige profissionais qualificados.

Acredito muito na nossa Escola do Mar e no papel decisivo que irá ter na formação relacionada com o mar.

Espero que as actividades extractivas também sejam outro segmento de futuro. Seria importante termos um papel na sua gestão e aproveitamento.

Fala-se muito no alargamento da nossa ZEE das 200 para as 400 milhas náuticas. Seria fundamental que essa gestão passasse pelos Açores. E se me disserem que não temos capacidade para isso, eu contraponho: façam com que aconteça! Preparem-se. Saiam do  marasmo. É preciso que o povo faialense saia da acomodação em que se encontra, estando sempre à espera que as coisas se resolvam. Aquilo que não se faz no Faial é por nossa culpa.

As pessoas gostam muito de criticar e eu aceito a crítica desde que também seja apontada uma alternativa. Mas o que a maioria faz é um constante “bota-abaixo”, o que quase sempre vem da parte de quem não é capaz de fazer coisa alguma.

O Porto, as pescas, a navegação de recreio, as reparações marítimas, são tudo áreas relacionadas com o mar e que exigem formação e competência, representando um mundo de novas oportunidades para os mais novos e para a economia da ilha”.

Genuíno sublinha a “boa relação” mantida com as instituições (Câmara Municipal, Governo Regional e outras) no tempo em que conduziu os destinos do CNH, afirmando  que se fez “o possível com as condicionantes da altura”.

No que concerne aos funcionários – que eram em menor número do que agora – refere que tentou ser “o melhor possível”, frisando que teve o cuidado de “manter a situação (financeira) controlada”.

Em termos de obra feita, lembra que foi levada a cabo uma Campanha de Angariação de Sócios, que “teve frutos”, tendo sido organizadas as Secções de Botes Baleeiros, Pesca Desportiva e ‘Windsurf’.

“Quando saí, já eram visíveis algumas diferenças e o caminho iniciado nesse período tem muito a ver com aquilo que o Clube é hoje em dia”, salienta. Por isso, entende que esse foi “o momento de viragem” no que toca ao incremento do ritmo vivido actualmente.

“Não precisamos de promessas, mas de uma sede”

A sede é outro dos pontos negativos neste balanço que, mesmo feito a uma distância de 15 anos, continua a primar pela actualidade. “Já nesse tempo se falava na necessidade urgente de uma sede para o CNH, mas até hoje o assunto não passou de promessas e ante-projectos. E volvidos todos estes anos, a situação piorou, pois o edifício está cada vez mais degradado. Não precisamos de promessas, mas de uma sede condigna, já que a actual não tem condições tanto para os locais como para receber quem nos visita. E o Clube Naval da Horta funciona como um cartão de visita. Assim sendo, deve ser tratado à medida da imagem que projecta”.

Embora não queira falar em culpas ou culpados, este ex-Responsável diz que “as entidades responsáveis tinham de fazer substancialmente diferente”.

No prato da balança vem agora o que de positivo marcou estes dois anos de trabalho gracioso. “Já tinha estado à frente de outros organismos de menor e de maior dimensão e neste curto período aprendi várias coisas. Uma delas é que não é bom acreditar em promessas”.

“O cargo de Presidente deve ser compensado”

Este líder de 2003/2005 não tem pejo em admitir que esta foi “uma tarefa difícil”. “É tudo trabalho gracioso e na minha equipa todos demos muito. Muitas vezes tive de deixar o meu barco encostado para atender aos compromissos que o Clube exigia, o que nem sempre foi compreendido pelos meus companheiros da pesca.

Quando a questão se relaciona com o perfil de quem se candidata a Presidente desta instituição náutica, o navegador açoriano mais internacional sabe a música de cor: “Ser Presidente do Clube Naval da Horta implica ter disponibilidade total, vasto conhecimento, grande responsabilidade e muito amor à camisola”.

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“Visitei diversos clubes por esse mundo fora e a gestão de todos é bem diferente do que acontece com o CNH. Só aqui é que uns trabalham à borla para uma comunidade inteira”

Fotografia de arquivo

Por isso, e no papel de profundo conhecedor do que esta “casa gasta”, Genuíno chegou a propôr e defende na actualidade que “já se impõe ser alguém que esteja a tempo inteiro, recebendo alguma compensação. A dimensão do CNH já não se compadece só com voluntariado e amor à camisola. Quem assume uma responsabilidade desta envergadura   merece ser, não digo remunerado, pois não vai ser possível nesta conjunctura, mas ao menos compensado pelo esforço, tempo, trabalho, disponibilidade e entrega. Visitei diversos clubes por esse mundo fora e a gestão de todos é bem diferente. O que acontece no Clube Naval da Horta não se verifica em nenhum outro sítio, nem mesmo nos Açores, pois o volume de actividade, o número de parcerias e envolvimento em  projectos e o papel que desempenha, é incomparável a qualquer outro. Basta ver a quantidade de regatas internacionais que têm como destino o Porto da Horta e a mais- valia que isso representa para a Cidade, para a Ilha e para a Região e o imenso trabalho que isso tudo implica e que está a ser assegurado por voluntários. Isto não se passa em nenhuma outra parte do globo. E por que é que há-de ser aqui? Qual a obrigação que este conjunto de pessoas tem em trabalhar à borla para uma comunidade que nem se  digna reconhecer o que é feito?

É pertinente trazer à memória a actividade que este Clube sempre tem tido desde a criação da Semana do Mar, em 1974, já para não falar que o CNH é o organizador do Festival Náutico. Sem o CNH não haveria Semana do Mar. Portanto, isto tem de ser encarado de forma mais profissional, sem nunca descurar o mar e valorizando sempre o  programa náutico, génese e razão de ser do maior Festival Náutico de Portugal”.

“O CNH é um emblema do Faial e dos Açores”

Para Genuíno Madruga, “o Clube Naval da Horta é um emblema do Faial e dos Açores, com projecção nacional e internacional. Mas, infelizmente, muitas pessoas ainda não estão despertas para esta realidade importantíssima.”

Este antigo Presidente sabe, por experiência, a divulgação de que o CNH é alvo por todo o mundo, tendo ele próprio funcionado como embaixador aquando das duas viagens de circum-navegação que fez. “Levei algumas lembranças nestas viagens e da segunda vez que passei por Port Elizabeth, na África do Sul, vi lá a bandeira do CNH oferecida na minha anterior viagem, e enquanto lá estive mantiveram-na sempre hasteada em lugar de destaque. Em Darwin, na Austrália, aconteceu o mesmo. Aliás, também sou sócio deste clube australiano. Foi sempre com um orgulho enorme que fui entregando por aqui e por ali as lembranças de que fui portador e que funcionaram como marcos da minha passagem mas, também, do Clube e da Cidade da Horta. No Clube Náutico Internacional de Hemingway, em Cuba, deixei a bandeira dos Açores.

A Horta é uma referência a nível internacional na náutica de recreio, sendo imperioso que se olhe para o nosso Porto e Marina no sentido de haver resposta às solicitações que, não sendo atendidas, podem fazer com que os iatistas mudem de preferência. Quem chega aqui depois de uma longa viagem necessita forçosamente de ter condições para atracar e descansar”.

Pagar para trabalhar

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“Sem o CNH não haveria Semana do Mar. Portanto, isto tem de ser encarado de forma mais profissional” 

Este velejador considera mesmo “imoral” exigir responsabilidades a quem trabalha “gratuitamente”. E vai mais longe dizendo que “pior do que trabalhar voluntariamente é ter de pagar para dar tudo, que é o que acontece a um Presidente desta “casa”, que dá do seu tempo e do seu dinheiro a uma comunidade que, por vezes, ainda critica. Tem de haver mais envolvimento por parte dos associados, que nem sequer participam de forma expressiva nas assembleias-gerais.”

Genuíno entende que “é importante que os jovens se cheguem à frente na medida em que trazem sangue novo e vontade, o que é de enaltecer”, mas chama a atenção para a necessidade de haver “um líder responsável”. “O conhecimento e a experiência são a pedra de toque de um elenco directivo para o CNH”.

Questionado sobre a possibilidade de voltar a encabeçar uma lista, este Sócio atira de imediato: “Não tenho disponibilidade para isso”. Mas dispõe-se a ajudar dentro daquilo que puder.

Concorda que ser Presidente da Direcção do CNH “não é um cargo aliciante” e mesmo dizendo que “o Clube tem sido marcado por altos e baixos”, sustenta ter havido “bons presidentes”.

Instado a apontar o melhor Presidente de sempre, não precisa de pensar para eleger José Decq Mota pelo “trabalho excepcional levado a cabo”. E frisa: “De todos os que conheci, destaco o José Decq Mota pelo que representa e pelo que dá”.

“CNH deve ser apoiado”

Genuíno não tem conhecimento “de qualquer situação de aproveitamento político relativamente ao cargo de Presidente do CNH” e classifica uma eventual situação dessas como “reprovável”.

“É uma instituição que deve ser apoiada e acarinhada, pois sempre que é solicitada responde positivamente. Estamos a falar de uma entidade antiga, que tem tido uma presença fortíssima na capacitação da Horta como Capital Oceânica do Iatismo. Recordo o nascimento da Semana do Mar e do nosso caldo de peixe, em que marquei presença activa. O CNH tem vindo a crescer e a projectar o Município e a Ilha a nível nacional e internacional. É uma grande mais-valia para a nossa Terra.

Na formação, é de realçar o papel indispensável que tem assumido e é da mais elementar justiça que os responsáveis pelo ensino e formação dos mais novos, reconheçam o papel importante que está a ser assegurado por esta instituição náutica. Quem viaja, apercebe-se desta referência mas, infelizmente, cá dentro ainda é uma minoria que reconhece e conhece de facto a gigantesca e diversificada acção deste Clube.

São poucos os que imaginam as dificuldades vividas por quem está por detrás desta máquina cada vez maior. Por isso, apelo a quem é Sócio para que olhe com mais atenção para o seu Clube e aos outros que se façam associados, o que já é uma boa maneira de ajudar”.

Salpicos do percurso de um homem do mar 

Em 1962, com 12 anos, Genuíno fez-se pescador, após construir a sua primeira embarcação a remos: uma “chata” com 2,6 metros. Para tanto, usou tábuas de caixote que ia pedindo aos comerciantes e pregos comprados com o dinheiro que ia ganhando. O serrote e o martelo tinham sido oferta do pai.

Tornou-se activista sindical, empenhado na defesa dos direitos dos pescadores. Em 1974 foi eleito presidente da Casa dos Pescadores da Horta.

Foi Delegado da Secretaria de Estado das Pescas e dos Serviços de Lotas e Vendagem da Direcção-Geral das Pescas, tendo organizado as Lotas nos Portos do Faial, Pico e Flores.

De 1974 a 1976 fez parte da Comissão Administrativa da Junta Central das Casas dos Pescadores, sendo eleito, em 1975, para o elenco directivo da Mútua dos Pescadores, tendo desempenhado funções em diversos órgãos sociais desta instituição.

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O “Hemingway” foi o companheiro de Genuíno Madruga nas duas Voltas ao Mundo

Fotografia cedida por: Genuíno Madruga

  • Foi eleito Presidente do Conselho Municipal da Horta e, em 1983, a convite do Secretário Regional da Agricultura e Pescas, Adolfo Lima, deslocou-se a Inglaterra, Espanha e França para conhecer outras técnicas de pesca e escolher as embarcações cabinadas mais apropriadas para a reconversão da frota artesanal dos Açores.
  • No distante ano de 1975 conheceu Marcel Bardiaux, protagonista de incríveis aventuras: foi o 1º navegador a passar o Cabo Horn de Leste para Oeste; construiu o primeiro iate insubmersível em aço inox; deu 4 voltas ao Mundo e duas vezes foi feito prisioneiro pelos alemães na II Grande Guerra. Em 1998 deu-se o reencontro com Marcel Bardiaux, já com 88 anos, navegador que mais influenciou Genuíno Madruga.
  • Ainda no ano de 1975, este picoense de gema conheceu muitos dos “aventureiros” que marcaram a história da Vela no século XX, com reencontros no mais famoso e internacional Café do Mundo: o “Peter Café Sport”.
  • Em 1983/1984 introduziu nos Açores as embarcações de pesca cabinadas em fibra de vidro.
  • Em 1985, concluiu, na Escola Profissional de Pescas, em Lisboa, o Curso de Mestre Pescador, com a classificação de “Excelente”.
  • No ano de 1999 adquiriu, na Alemanha, um veleiro em fibra de vidro com 11,1 metros, que batizou de “Hemingway”.
  • Em 2000 – no dia 28 de Outubro – fez-se ao mar para circum-navegar o planeta a bordo do veleiro “Hemingway”, tendo chegado ao Porto da Horta a 18 de Maio de 2002, concretizando, assim, a sua 1ª Volta ao Mundo em Solitário.
  • Em 2002 foi homenageado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), pelas Câmaras Municipais de vários Concelhos dos Açores (incluindo as do Faial e Pico) e por outras entidades.
  • A 10 de Junho de 2003 foi agraciado pelo Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
  • A 25 de Agosto de 2007 partiu das Lajes do Pico para sua 2ª Volta ao Mundo, com a difícil tarefa de cruzar, de Leste para Oeste, o temível Cabo Horn, extremo austral do Continente Sul-Americano, o que efectivamente aconteceu a 24 de Janeiro de 2008.
  • Em Agosto de 2008 foi admitido como membro da Confraria dos Capitães do Cabo Horn do Chile.
  • No dia 6 de Junho de 2009 chegou ao Porto das Lajes do Pico, concretizando a sua 2ª Volta ao Mundo em Solitário.
  • No dia 10 de Junho de 2009 viu ser editado o CD “Genuíno”, composto por músicas e poesias alusivas às suas viagens de circum-navegação, entre as quais o poema propositadamente escrito por Dias de Melo, pouco antes de falecer.
  • Em 2011 publicou o livro “O Mundo que eu Vi”, apresentado em diversos locais do mundo e também editado em inglês.
  • É sócio de diversos clubes náuticos, entre os quais o Dena Beach Yacht Club (Austrália), o Yacht Club International Hemingway (Cuba) e o Royal Yacht Club (África do Sul).
  • No dia 19 de Janeiro de 2017 foi agraciado pela Marinha Portuguesa, na pessoa do Almirante-Chefe do Estado-Maior da Armada, António Silva Ribeiro, com a Medalha Militar da Cruz Naval de 1ª Classe, que no seu despacho classificou Genuíno Madruga desta forma: “Mestre pescador de profissão, sempre demonstrou o seu espírito sagaz e marinheiro, inconformado por natureza. Concomitantemente, desempenhou relevantes funções sociais e cívicas na Horta, cidade onde viveu desde criança, em prol de quem partilha o mar e dele retira o seu sustento. Homem culto, autêntico embaixador dos Açores e de Portugal por todo o Mundo, Genuíno Madruga tem sido muito mais do que um navegador aventureiro e arrojado, constituindo-se como um símbolo vivo da maritimidade nacional que importa enaltecer. A sua vivência filosófica e sociológica é reflectida num pensamento crítico e reflexivo, predispondo uma atitude moral sobre o Mar, que é comungada pela Marinha”.

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